16/07/2025
Um olhar psicológico sobre a dor silenciosa da infância e seus efeitos na vida adulta
Nem toda ferida deixa marcas visíveis. Muitas vezes, os adultos emocionalmente exaustos, ansiosos, com dificuldade de impor limites ou de confiar em vínculos afetivos são, na verdade, crianças que precisaram se adaptar demais para sobreviver em ambientes que não acolheram suas emoções.
A criança que aprende a silenciar
Segundo Winnicott (1975), a criança precisa de um ambiente suficientemente bom para desenvolver o verdadeiro self — aquele que expressa espontaneidade, desejo e identidade própria. Quando esse ambiente falha, ela começa a desenvolver um falso self: uma estrutura psíquica de adaptação, moldada para agradar, evitar conflitos ou garantir a aceitação dos adultos ao redor.
Essas crianças não necessariamente sofreram abusos evidentes. Muitas vezes, viveram experiências mais sutis de abandono emocional, invalidação afetiva ou inversão de papéis — onde precisavam ser “fortes”, “boas” ou “independentes” cedo demais.
A neuropsicologia do trauma silencioso
A adaptação precoce também impacta o cérebro. O desenvolvimento emocional e cognitivo da criança é profundamente afetado pela qualidade das relações com os cuidadores primários.
Quando há estresse crônico ou negligência emocional, o cérebro infantil pode ativar circuitos de hipervigilância, com hiperatividade da amígdala (relacionada ao medo) e disfunção do córtex pré-frontal, que regula comportamentos e emoções (Teicher et al., 2016). Isso se reflete na vida adulta em padrões de ansiedade, dificuldade de tomar decisões e baixa tolerância à frustração.
O adulto funcionalmente ferido
Na fase adulta, esses indivíduos geralmente apresentam:
Alta exigência interna e perfeccionismo (Ferenczi, 1933; Young, 2003)
Culpa ao dizer “não” ou se priorizar
Tendência a relações codependentes
Dificuldade de confiar em vínculos afetivos
Sensação constante de inadequação, mesmo em contextos seguros
Esses adultos aparentam estar "funcionando bem", mas vivem uma luta psíquica silenciosa para se manter emocionalmente regulados. São pessoas que dão conta de tudo, menos de si mesmas.
A cura possível: escutar a criança interna
O trabalho terapêutico permite que essa criança adaptada comece a ser escutada. Ao acolher as dores que foram ignoradas no passado, o sujeito pode construir uma relação mais verdadeira consigo mesmo e com os outros.
Na psicoterapia — seja ela de base psicanalítica, humanista ou cognitivo-comportamental — o adulto encontra um espaço de autorização psíquica para se expressar sem precisar agradar ou performar. Segundo Carl Rogers (1961), só em um ambiente onde o outro oferece aceitação incondicional é que podemos nos autorizar a ser quem somos.
Considerações finais
Adaptar-se foi, para muitas crianças, uma estratégia de sobrevivência. Mas viver eternamente nessa adaptação é exaustivo, adoecedor e limitante. Romper com esse ciclo não é fácil — exige consciência, afeto e coragem. Porém, é possível.
Acolher a criança que você foi é parte da cura. E você não precisa fazer isso sozinho.